Sendo Braga a cidade de onde partiu o 28 de Maio de 1926, e com ele o início do regime, acima referido, não é de estranhar que o conservadorismo aqui se mantivesse. Se associarmos os valores católicos, que aqui estão mais evidentes, então imaginamos a resistência social a inovações que aqui se verificavam. Uma dessas resistências ocorreu com a estátua de “Diana Caçadora”, que existia no emblemático “O Nosso Café”.
Quando foi inaugurado “O Nosso Café”, a 15 de fevereiro de 1951, os bracarenses ficaram, na sua larga maioria, admirados com a imponência deste estabelecimento comercial. Não obstante, no seu interior, surgiu algo que desde logo causou, por um lado, grande admiração e, por outro, aversão naqueles que frequentavam este Café. Refiro-me à estátua de “Diana Caçadora”.
Este trabalho artístico, da autoria da escultora Maria Luísa Tudela Carneiro, foi colocado bem no centro de “O Nosso Café” e tinha como grande objetivo, embelezar o interior deste majestoso estabelecimento. No entanto, rapidamente surgiram críticas, cada vez mais fortes, aos administradores do Café, exigindo que a escultura fosse retirada ou, pelo menos, que estivesse vestida! Estes críticos alegavam que este espaço comercial era frequentado por muitas pessoas, nomeadamente por jovens, por mulheres, por idosos e por famílias, que dessa forma ficavam condicionados no seu olhar, dentro do próprio espaço comercial!
Desde que foi inaugurado “O Nosso Café”, os seus gerentes e ainda as redações de órgãos de comunicação social, recebiam constantemente cartas, umas a criticarem a estátua, outras a exigirem a sua retirada, outras ainda a ameaçar os próprios administradores de “O Nosso Café”! Perante esta situação de tensão e preocupados com os clientes, que recusavam a entrada no estabelecimento comercial por a escultura colidir com os valores que vigoravam em Braga, a administração de “O Nosso Café” decidiu, passados três meses da sua inauguração, retirar a “Diana Caçadora” do seu pedestal.
Mal se soube dessa notícia, uma parte da sociedade bracarense regozijou de alegria. O jornal “Diário do Minho”, de 20 de Maio de 1951, deu voz a esse regozijo noticiando, em cabeçalho, que há “Uma bela notícia” uma vez que “Já se não encontra em ‘O Nosso Café’ a Diana caçadora”! O jornal referia que muitas pessoas, quer de Braga, quer de outras regiões do país, sentiam vergonha de frequentar o Café, devido à mulher que lá se encontrava nua! Por isso, quando souberam que a estátua tinha sido retirada, logo noticiaram com gáudio: “Pois, amigos, a Diana foi-se”!
Durante cerca de um ano, a estátua de Diana manteve-se fora do seu pedestal. No entanto, em abril de 1952, a direção de “O Nosso Café” mudou, tendo decidido voltar a colocar a “Diana Caçadora” no seu pedestal. Esta decisão originou felicitações e aplausos de alguns clientes, mas novamente apupos e críticas de outros. Novamente o jornal “Diário do Minho”, de 1 de Maio de 1952, volta ao tema, referindo que “A Diana volta da caça…”! E voltou porque ninguém a queria à solta, por perto, assim nua! Verdadeiramente espantado com a recolocação da Diana, o jornal referia que nem a administração de “O Nosso Café” saberia “que vantagem advirá para os fortes laços espirituais da Roma Portuguesa com aquele mostruário de carne e de nudismo…”, que afeta e muito os valores e a moralidade de Braga, “cidade cristã, de sólidas virtudes morais”.
A decisão de voltar a colocar a Diana no seu púlpito era de difícil compreensão. O jornal mencionado questionava mesmo: “Teriam pensado nas muitas pessoas que deixarão de lá pôr os pés, sabido como ainda não se habituaram a vistas daquelas mesmo em esculturas e em cafés? Teriam pensado nas famílias que deixarão de o frequentar, levadas de vergonha e do sentido do dever, pois não terão coragem de aceitar que possa ver-se em recintos o que não é permitido na rua?”.
Depois de meses de discussão, de polémica e de crítica, a administração de “O Nosso Café” decidiu-se, mais uma vez, pela retirada da estátua de “Diana a Caçadora”. Novamente surgiram posições de congratulação e repúdio por esta decisão. Para uns, tratava-se de uma decisão retrógrada e própria de uma sociedade excessivamente moralista e tradicionalista; para outros, tratava-se de uma decisão acertada, pois dessa forma as famílias poderiam frequentar tranquilamente o estabelecimento comercial muito admirado!
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